| Canal oferecido por:

A digitalização da venda de insumos no Agro

HUMBERTO COELHO

Colunista

5/27/20254 min read

Por: Humberto Coelho

Executivo com sólida trajetória em empresas de diferentes segmentos do mercado como, Casas Bahia, RaiaDrogasil, Falconi, Lavoro, Vivara e Vale. Nos últimos 8 anos, atuou em posições de liderança em áreas operacionais e digitais, contribuindo para a concepção, construção e escalabilidade de negócios em grandes organizações dos setores de varejo e agronegócio. Atuou também em projetos de consultoria em empresas na Alemanha, França e China.

A força do agro e o mercado de insumos no Brasil

Após mais de uma década liderando operações e iniciativas digitais em grandes varejistas como Casas Bahia e RaiaDrogasil, em 2022 assumi o desafio de construir uma frente digital no Agro — um setor essencial, complexo e cheio de particularidades. Ao longo desses dois anos, mergulhei na rotina do produtor e do agrônomo, entendendo de perto suas dores e dinâmicas. Agora, compartilho aqui alguns aprendizados dessa jornada de transformação.

O agronegócio é um dos principais motores da economia brasileira, representando 23,2% do PIB nacional em 2024, segundo o Cepea/Esalq/USP. No cenário global, o Brasil também se destaca: em 2023, as exportações do agro somaram US$ 166,5 bilhões, de acordo com o Ministério da Agricultura.

Dentro desse contexto, o mercado de insumos é um dos segmentos mais relevantes. De acordo com a Andav, as empresas de distribuição de insumos agropecuários no Brasil movimentaram R$ 151 bilhões em 2023, sendo R$ 94,8 bilhões em insumos e R$ 33,3 bilhões em grãos.

Apesar desse volume expressivo, a digitalização das vendas ainda enfrenta barreiras estruturais — como veremos a seguir.

A complexidade da venda digital de insumos

O modelo de compra de insumos no agro é muito distinto do varejo tradicional. Trata-se de uma venda altamente negocial, consultiva e especializada, onde o Agrônomo exerce papel central na recomendação e prescrição de produtos. O produtor, muitas vezes, não sabe exatamente o que precisa comprar e depende da orientação técnica.

Além disso, os pedidos podem ter ticket médio de seis dígitos, exigindo um processo de negociação individualizado. A política de preços é restrita, e o Agrônomo pode oferecer descontos relevantes que não estão disponíveis no canal digital.

A logística e os meios de pagamento também são mais complexos: o produtor pode pagar em prazos variados (30, 60, 90 dias, ao fim da safra) ou até mesmo no modelo de troca, chamado Barter. As entregas são muitas vezes fracionadas, conforme necessidade de uso e evolução da safra.

Por fim, há um desafio de confiança na compra digital. Como mencionado acima, as negociações de insumos envolvem volumes altos, prazos de pagamento variados, entregas fracionadas, orientação técnica sobre aplicação e outros detalhes críticos. Isso dificulta que o produtor se sinta seguro em concluir uma compra de forma autônoma por um site. Além disso, muitos ainda não percebem valor claro no e-commerce, pois a jornada consultiva continua sendo essencial.

Os desafios relatados acima dizem respeito principalmente às culturas de soja e milho, que representam a ampla maioria do agronegócio brasileiro em termos de área plantada e volume de comercialização.

Por outro lado, em culturas como hortifruti, onde a frequência de compra é maior, os volumes são menores e o ciclo de decisão é mais ágil, a venda digital tende a encontrar menos barreiras e maior aderência a modelos transacionais online.

Casos de uso e aprendizados práticos

Apesar desses desafios, o e-commerce tem se mostrado valioso em partes da jornada de compra. Produtores usam a plataforma para consultar preços, entender o portfólio e se preparar para a negociação com o Agrônomo.

Com base nisso, o digital pode ser usado como gerador de inteligência comercial. Dados como buscas, carrinhos abandonados e visitas a produtos podem ser compartilhados com os Agrônomos, permitindo abordagens mais consultivas e direcionadas.

Outro ganho importante é a captação de novos clientes. Por meio de campanhas de mídia digital, produtores acessam o site, realizam o cadastro e selecionam uma loja preferencial. Embora a conversão ocorra ainda na loja física, o funil começou no digital, ampliando o alcance comercial da revenda.

Mesmo com tantas particularidades, há exemplos de sucesso que mostram que a digitalização é possível. Fora do país, destaca-se a Agryco (ex-Agriconomie) — presente em cinco países (França, Bélgica, Alemanha, Itália e Espanha) — que movimentou recentemente €100 milhões em vendas digitais e vem recebendo aportes constantes de investidores.

No Brasil, Orbia e Supercampo são referências em plataformas digitais voltadas ao agro, com estratégias distintas, mas avanços consistentes na transformação digital do setor.

A chave está na digitalização do Agrônomo

Dado que o Agrônomo é a peça central da venda de insumos, a digitalização da sua jornada é o caminho mais viável e de impacto imediato. O foco deve estar em ferramentas que aumentem sua produtividade comercial e reduzam sua sobrecarga operacional.

Aplicativos offline que permitem fazer uma cotação ou até mesmo registrar um pedido direto do campo, o uso de ferramentas de CRM e WhatsApp para fornecer informações precisas no momento certo, além de melhorias na digitalização das lojas para ganhar eficiência — são os casos mais comuns e com impacto no curto prazo. Futuras ferramentas utilizando AI com recomendações ainda precisam de maior maturidade para serem relevantes.


O WhatsApp, inclusive, já é a principal ferramenta de contato entre Agrônomo e Produtor, tornando-se também um canal de gestão comercial. Informações como vendas realizadas, metas, performance e margem podem ser enviadas diretamente ao Agrônomo por meio da ferramenta, sem a necessidade de acessar sistemas. Isso torna a gestão prática e totalmente alinhada à rotina de quem passa mais tempo na fazenda do que na loja.

Conclusão

O e-commerce ainda enfrenta obstáculos relevantes no agro, mas não deve ser descartado. Ele não precisa substituir o canal físico, mas sim complementar e potencializar a venda consultiva. O segredo está em entender o papel de cada canal na jornada e, principalmente, em empoderar o Agrônomo com ferramentas digitais que ampliem sua capacidade comercial.

Digitalizar o agro não é copiar o varejo — é respeitar suas particularidades e usar o digital como aliado do campo.

Leia também