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Por que tantas estratégias digitais fracassam?

SAMUEL GONSALES

Colunista

12/16/202410 min read

Por: Samuel Gonsales

Renomado especialista em e-commerce e transformação digital no Brasil, com mais de 20 anos de experiência no mercado. Palestrante, consultor e autor, ele dedica sua carreira a ajudar empresas de diversos setores a impulsionarem suas operações por meio de tecnologias inovadoras e estratégias de crescimento digital.

Para iniciarmos este artigo podemos considerar que grande parte das estratégias denominadas digitais não reflete como o digital está mudando os fundamentos econômicos, a dinâmica da indústria ou o que significa competir. As empresas devem ficar atentas a algumas armadilhas quando pensam em criar estratégias digitais.

O poder de processamento dos smartphones

O poder de processamento dos atuais é milhares de vezes maior do que o dos computadores que levaram o homem à Lua em 1969. Esses dispositivos conectam a maior parte da população humana e têm pouco mais de dez anos de idade.

Nesse curto período, os smartphones se entrelaçaram com nossas vidas de inúmeras maneiras. Poucos de nós nos locomovemos sem a ajuda de aplicativos de mobilidade.

Durante as suas férias, você pode usar novos aplicativos de transporte marítimo que vão te permitir contratar passeios diretamente de proprietários de barcos locais para chegar a uma ilha. Enquanto estamos fora de casa, também podemos ler nossos e-mails, nos conectar com amigos, verificar se diminuímos o aquecimento, ligar o ar-condicionado, acender ou desligar as luzes, fazer algumas alterações em nosso portfólio de investimentos e comprar um seguro de viagem.

Além disso, é possível navegar na Internet para obter recomendações personalizadas de filmes ou para obter ajuda para escolher um presente de aniversário. Também podemos criar e atualizar continuamente uma galeria de fotos de férias — e até mesmo fazer algumas ligações telefônicas à moda antiga.

Após as férias, voltamos ao trabalho — onde o reconhecimento e a adoção do digital são muito menos completos. Quando olhamos para este pequeno dispositivo e toda a mudança digital e potencial revolucionário dentro dele, sentimos a necessidade de enviar a cada CEO que conhecemos um chamado para acordar. Muitos acham que ter algumas iniciativas digitais no ar constitui uma estratégia digital. No futuro, a estratégia digital precisa ser muito diferente do que algumas empresas têm hoje, ou elas não vão conseguir.

Descobrimos que um número surpreendentemente grande subestima o crescente ímpeto da digitalização, as mudanças comportamentais e a tecnologia que a impulsionam e, talvez acima de tudo, a escala da disrupção que as atinge. Muitas empresas ainda estão presas em processos de desenvolvimento de estratégias que se agitam em ciclos anuais. Segundo dados da McKinsey Digital, apenas 8% das empresas dizem que seu modelo de negócios atual permaneceria economicamente viável se seu setor continuasse a digitalizar em seu curso e velocidade atuais.

Em um momento em que praticamente todas as empresas do mundo estão preocupadas com seu futuro digital, podemos questionar: por que tantas estratégias digitais estão falhando?

A resposta tem a ver com a magnitude da força econômica disruptiva que o digital se tornou e sua incompatibilidade com os modelos econômicos, estratégicos e operacionais tradicionais que ainda assombram muitas empresas de todos os portes.

Este artigo destrincha algumas questões que, em minha experiência, são particularmente problemáticas. Espero que essas questões despertem um senso de urgência e apontem para como fazer melhor.

Definições difusas

Quando falamos com líderes sobre o que eles querem dizer com digital, alguns o veem como um termo atualizado para o que sua função de TI faz. Outros se concentram em marketing digital ou vendas. Mas muito poucos têm uma visão ampla e holística do que digital realmente significa.

Vemos o digital como a capacidade quase instantânea, gratuita e perfeita de conectar pessoas, dispositivos e objetos físicos em qualquer lugar. Até 2025, cerca de 20 bilhões de dispositivos estarão conectados, quase três vezes a população mundial. Nos últimos dois anos, esses dispositivos produziram 90% dos dados já produzidos. A mineração desses dados aumenta muito o poder da análise, o que leva diretamente a níveis dramaticamente mais altos de automação — tanto de processos quanto, em última análise, de decisões.

Tudo isso dá origem a novos modelos de negócios. Pense nas oportunidades que a telemática criou para o setor de seguros. Carros conectados coletam informações em tempo real sobre o comportamento de direção de um consumidor. Os dados permitem que as seguradoras precifiquem o risco associado a um motorista de forma automática e mais precisa, criando uma oportunidade de oferecer cobertura direta, que pode ser cobrada conforme o uso, e ignorando intermediários.

Na falta de uma definição clara do que de fato é o digital, as empresas lutam para conectar a estratégia digital aos seus negócios, deixando-as à deriva nas águas rápidas e agitadas da adoção e mudança digital. O que aconteceu com o smartphone nos últimos dez anos deve assombrá-los — e nenhuma indústria estará imune ao que veremos nos próximos dez anos.

Não entender a economia do digital

Muitos de nós aprendemos um conjunto de princípios econômicos essenciais anos atrás e vimos o poder de sua aplicação cedo e frequentemente em nossas carreiras. Esses aprendizados nos ajudaram a construir crenças que frequentemente entram em choque com as novas realidades econômicas da competição digital. Considere essas três situações:

1. A disrupção é sempre perigosa, mas as disrupções digitais estão acontecendo mais rapidamente do que nunca.

2. A concorrência digital reduz o valor. Os consumidores ganham e as empresas perdem. Os produtos e serviços tornam-se obsoletos muito rapidamente e os grupos de valor consolidam-se em torno de ofertas vencedoras.

3. As taxas de crescimento estão caindo vertiginosamente para as varejistas tradicionais. Para sobreviver, as empresas precisam se tornar pioneiras novamente, desta vez com diferenciais no digital.

O digital está destruindo a renda econômica

Um dos primeiros conceitos que aprendemos em microeconomia foi a renda econômica. O digital está confundindo os melhores planos para capturar o excedente ao criar mais valor para os consumidores do que para as empresas.

Esta é uma notícia assustadora para varejistas, distribuidores e indústrias que esperam converter forças digitais em vantagem econômica. Em vez disso, eles encontram a desagregação digital de ofertas lucrativas de produtos e serviços, liberando os consumidores para comprar apenas o que precisam. O digital também torna muitos intermediários (distribuidores) obsoletos, com escolha ilimitada e transparência de preços que os consumidores conseguem através da internet.

Os anúncios das ofertas digitais podem ser reproduzidos quase livremente, instantaneamente e perfeitamente (inclusive com a ajuda de IA), transferindo valor para os participantes da hiperescala enquanto levam os custos marginais para próximo de zero e comprimem ainda mais as margens.

Há inúmeros exemplos em que essas dinâmicas já ocorreram. No setor de viagens, companhias aéreas e outros provedores pagavam agentes de viagens para obter clientes. Tudo isso mudou com a Internet, e os consumidores agora recebem os mesmos serviços gratuitos que recebiam de agentes de viagens a qualquer hora, em qualquer lugar, com um toque de dedo. Sem mencionar recomendações de hotéis e destinos que surgem da multidão em vez de especialistas.

Quando o tema é tecnologia, mais precisamente os hardwares (equipamentos), as empresas mantinham servidores internamente, armazenamento, serviços de aplicativos e bancos de dados em data centers físicos. As ofertas de serviços em nuvem da Amazon (AWS), Google (Cloud) e Microsoft (Azure), entre outras, tornaram possível abrir mão desses investimentos de capital (CAPEX) e focar nas contratações em SaaS (OPEX) liberando verbas para outros investimentos.

A lição que podemos tirar desses casos:

Os clientes foram os maiores vencedores, e as empresas que capturaram o valor que sobrou eram frequentemente de um setor completamente diferente daquele onde o pool de valor original residia. Então, os executivos precisam aprender rapidamente como competir, criar valor para os clientes e manter algum valor para si mesmos em um mundo de pools de lucro e de margens em declínio.

O digital está impulsionando a “economia do vencedor leva tudo”

Quando a escala e os efeitos de rede dominam os mercados, o valor econômico sobe para o topo da cadeia. Nesse sentido o valor econômica deixa de ser distribuído entre o número usual (grande) de participantes da cadeia.

Para um exemplo prático, pense em como a capitalização de mercado da Amazon se eleva acima da de outros varejistas, ou como o iPhone captura regularmente mais de 90 por cento dos lucros da indústria de smartphones.

Uma série de pesquisas mostra como essas dinâmicas estão se desenrolando. No nível mais alto, a distribuição de lucro econômico prevê a existência de uma curva de poder que vem se tornando mais íngreme na última década e é caracterizada por grandes vencedores e perdedores no topo e na base, respectivamente.

Nesse cenário um pequeno número de vencedores — geralmente grandes investidores em tecnologia e mídia — está realmente se saindo melhor na era digital do que uma grande gama de empresas tradicionais. Eles reúnem enormes volumes de dados de clientes extraídos de suas vantagens de escala.

Isso desencadeia um ciclo virtuoso no qual as informações ajudam a identificar ameaças iminentes e os melhores parceiros na defesa de cadeias de valor sob pressão digital. Nesse ambiente, essas empresas geralmente se veem presos em algumas armadilhas comuns. Eles presumem que a participação de mercado permanecerá estável, que nichos lucrativos permanecerão defensáveis ​​e que é possível manter a liderança superando os rivais tradicionais em vez de se concentrar nos modelos digitais que estão ganhando participação.

Esse fenômeno de grandes mudanças na indústria, distribuição e varejo não é novo. Bem antes do digital, vimos rupturas na indústria de automóveis, fabricação de computadores, de pneus, de televisores e medicamentos. O número de indústrias normalmente atingia o pico e depois caía de 70 a 97 por cento. O problema agora é que o digital está fazendo com que essas interrupções aconteçam com mais rapidez e frequência do que aconteciam 20 anos atrás, o que requer das empresas uma velocidade de mudanças que muitas sequer estão preparadas.

O digital recompensa os pioneiros e as empresas super-rápidos

No passado, quando as empresas testemunhavam níveis crescentes de incerteza e volatilidade em seu setor, uma resposta estratégica perfeitamente racional era observar por um tempo, deixando que outros incorressem nos custos da experimentação e então se movimentassem conforme a poeira baixasse.

Essa abordagem representava uma aposta na capacidade da empresa de superar os concorrentes. Nesse novo cenário digital, no entanto, são os pioneiros e as empresas muito rápidas que ganham uma enorme vantagem sobre seus concorrentes.

Os pioneiros e as empresas mais velozes desenvolvem essencialmente uma vantagem de aprendizado. Eles testam e aprendem incansavelmente, lançam protótipos iniciais e refinam os resultados em tempo real, reduzindo o tempo de desenvolvimento em alguns setores de vários meses para alguns dias.

Essas empresas também ampliam plataformas e geram redes de informações alimentadas por inteligência artificial em um ritmo que ultrapassa em muito as capacidades de organizações tradicionais. Como resultado, elas geralmente estão avançando nas ofertas da versão 3.0 ou 4.0 antes que as empresas tradicionais tenham lançado seus modelos da versão 1.0.

Os pioneiros incorporam informações em seu modelo de negócios, particularmente em funções intensivas em informações, como P&D, marketing e vendas e operações internas. Eles também se beneficiam do boca a boca dos primeiros usuários. Em suma, os pioneiros ganham uma vantagem porque podem ajustar as velas durante a navegação.

Um bom exemplo é a Tesla que capturou o valor de pioneirismo em veículos elétricos oferecendo uma lição sobre os efeitos desconcertantes de uma postura de esperar para ver que houve nas montadoras tradicionais, que agora correm atrás da pioneira.

Anos atrás, nos Estados Unidos, as montadoras tradicionais poderiam ter comprado a Tesla por alguns bilhões. Nenhuma montadora tradicional fez esse movimento, e a Tesla acelerou. Desde então, as montadoras tradicionais têm investido muito dinheiro em seus próprios esforços de veículos elétricos em uma corrida para competir com a liderança da Tesla.

As indústrias em breve serão ecossistemas

Plataformas que permitem que os players digitais se movam facilmente através das fronteiras da indústria e do varejo estão destruindo o modelo tradicional que mantem a visão familiar. Os supermercados nos Estados Unidos, por exemplo, agora precisam direcionar suas estratégias para os movimentos da plataforma da Amazon ou Walmart. O Apple Pay, assim como o WeChat chinês, dentre outras plataformas de pagamentos que vem se tornando bancos, estão entrando no conjunto competitivo de instituições financeiras tradicionais. Na China, a Tencent e a Alibaba estão expandindo seus ecossistemas. Elas agora são empresas de plataforma que conectam empresas tradicionais e digitais (inclusive seus fornecedores) nos setores de seguros, saúde, imobiliário e muitos outros. O grande benefício de atuar nesse modelo? Elas também podem agregar milhões de clientes em todos esses setores da economia.

Os ecossistemas permitem combinações improváveis ​​de atributos

Você consegue imaginar um concorrente que oferece o maior nível de estoque, o menor tempo de entrega, a melhor experiência do cliente e o menor custo, tudo de uma vez?

A nova economia baseada plataforma digital e ecossistema derruba os fundamentos da oferta e demanda. Nesse terreno, as melhores empresas têm a escala para atingir uma base de clientes quase ilimitada, usar inteligência artificial e outras ferramentas para projetar níveis requintados de serviço e se beneficiar de linhas de fornecimento muitas vezes sem atrito. Modelos de negócios improváveis ​​se tornam realidade. Veja o TikTok Shop por exemplo. A gamificação na Shopee. A presença do Alibaba em mais de 190 países.

A Meta (dona do Instagram, Facebook e WhatsApp) agora é um grande player de mídia, enquanto até pouco tempo atrás, sequer produzia conteúdo. Uber e Airbnb vendem mobilidade global e hospedagem sem precisar de grandes investimentos para possuir carros ou hotéis.

Tudo isso vai acelerar. Em um mundo de ecossistemas, à medida que os limites da indústria se confundem (vide o D2C), a estratégia precisa de um quadro de referência muito mais amplo. Os CEOs precisam de uma lente mais ampla para avaliar possíveis concorrentes, que em muitos casos podem se tornar potenciais parceiros.

Sobre o Autor:

Samuel Gonsales é especialista em Omnichannel, Sistema de Gestão (ERP) e e-Commerce acumulando mais de 27 anos de experiência.

• Certificate MIT - Massachusetts Institute of Technology Leadership Program – (USA).

• Mestre em Administração de Empresas pela Flórida Christian University (Orlando, Flórida, USA).

• Autor do Livro: Sistemas ERP na Omniera.

• Co-Autor do Livro: Vendas + Operações no e-Commerce.

• Participação Especial no Livro: Indústria e E-Commerce.

• Autor de 13 livros digitais (ebooks) sobre e-Commerce e Omnichannel.

• Sócio-Diretor na ExpoEcomm.

• Sócio Advisor na idworks ERP.

• Top E-Commerce Voice LinkedIn 2023.

• Vencedor Prêmio ABCOMM 2017 - Melhor Profissional de e-Commerce.

• Vencedor Prêmio DIGITALKS 2017/2018 - Profissional destaque do Mercado Digital/Tecnologia.

• Prêmio: Entre os profissionais que mais contribuíram com conteúdo relevante nos últimos 10 anos (2019).

• Conselheiro / Advisor de indústrias/fabricantes, distribuidores/atacadistas, varejistas e empresas de tecnologia.

• Palestrante: Eventos, Convenções, Fóruns e Congressos.

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