| Canal oferecido por:

Quando a Curiosidade Ganha Tráfego (mas, e as Vendas?) – O Caso Temu no Brasil

CLEBER VIEIRA

Colunista

9/9/20254 min read

Por: Cleber Vieira

Com sólida formação em Administração de Empresas, MBA em Gestão de Varejo e E-commerce, além de especializações em Analytics e Técnicas Avançadas de Gestão em E-commerce, Cleber atua há mais de 12 anos na liderança de operações digitais. Com uma trajetória marcada por mais de 24 anos de experiência em relacionamento com o cliente e 18 anos no varejo, hoje é Gerente de E-commerce do Grupo CVLB, responsável pelas estratégias digitais das marcas Casa&Video e Le biscuit.

Desde que desembarcou no Brasil, em junho de 2024, a Temu tem sido uma presença intrigante no e-commerce nacional. Em pouco tempo saiu de menos de 10 milhões de acessos para liderar o ranking de audiência. Em julho de 2025, alcançou a impressionante marca de 409,7 milhões de visitas, mantendo-se à frente do Mercado Livre (393 mi) e da Shopee (286 mi). Isso em um cenário em que o tráfego total de marketplaces saltou quase 10%, impulsionado pela alta do setor de importados.

Foi um crescimento meteórico, que parecia alimentado por uma combinação irresistível de cupons generosos, gamificação e “produtos grátis”, que injetaram um clima de curiosidade e diversão: políticas “saudáveis”, mas perigosamente festivas. No Reddit, usuários comentam com humor e certa desconfiança:

“De ‘graça’ só depois de você gastar uma grana, e sendo a primeira compra”
“Se algo for bom até demais, é porque não é”

Se a gente olhar para trás, a última grande explosão que o e-commerce brasileiro viveu foi a chegada da Shopee. Em 2019, a plataforma desembarcou no Brasil com sua proposta de preços baixos, frete grátis e uma comunicação massiva em mídia. A curva de crescimento dela foi impressionante: em pouco mais de um ano e meio, a Shopee já tinha alcançado 39 milhões de visitas mensais (março/2021).

Só que quando comparamos com a Temu, o salto é de outra dimensão. A empresa chinesa, em pouco mais de 14 meses de operação por aqui, já ultrapassou 400 milhões de visitas mensais, conquistando a liderança de audiência no e-commerce brasileiro. Ou seja, a Temu conseguiu em pouco mais de um ano o que a Shopee levou vários anos para alcançar, e em um volume dez vezes maior de acessos. A diferença de proporção é gritante. Enquanto a Shopee representava um grande boom dentro do cenário local, a Temu se mostra como um fenômeno global replicado em larga escala, com estratégias de mídia muito mais agressivas e uma capacidade de atrair curiosidade quase instantânea.

Apesar do boom e do tráfego astronômico, há um vazio nas estatísticas, não existem dados públicos confiáveis sobre o GMV da Temu no Brasil, sua conversão ou faturamento real. Difícil saber se toda essa visitação se traduz em receita concreta, fidelização ou clientes recorrentes. É como organizar um show no Maracanã com propaganda no horário nobre, mas sem saber se o show está vendendo ingresso.

Temos dados mais robustos dos concorrentes que já operam no Brasil há mais tempo. O Mercado Livre, por exemplo, apresentou US$ 13,3 bilhões de GMV no primeiro trimestre de 2025, com receita de US$ 3,3 bilhões e margem operacional de 12,9%. A Shopee, por sua vez, dobrou seu volume de vendas no ano passado, estimando R$ 60 bilhões em GMV em 2024, o que representa cerca de 40% do GMV do Mercado Livre.

E a Temu? Ainda há silêncio. A estratégia agressiva de mídia é inegável, a controladora PDD tem queimado bilhões globalmente em anúncios, mas no Brasil os números ainda não são públicos. Isso sugere que os acessos podem ser fruto de um “canal curiosidade” com muita publicidade, mas sem clareza sobre sua eficiência real.

Para quem está de olho em vender na Temu, ainda não possui integração com vendedor local, mas segundos alguns hubs e sites esse momento está próximo, e os atrativos parecem tentadores: comissão zero, frete grátis bancado pela plataforma e a promessa de alto volume de tráfego já nos primeiros meses de operação. Mas é justamente aí que o vendedor precisa ter atenção. O modelo que a empresa vem repetindo mundo afora exige adaptação e pode esconder algumas pegadinhas:

  • Precificação controlada pela Temu: o seller envia a oferta, mas quem define o valor final é a plataforma. Isso pode reduzir bastante a margem de lucro.

  • Foco inicial em categorias estratégicas: nem todo tipo de produto terá espaço ou destaque logo de cara.

  • Falta de estrutura de anúncios: a plataforma está fazendo testes de sua mídia paga (ADS) com lojista locais nos EUA, nada muito claro para o mercado ainda, ou seja, o lojista brasileiro incialmente dependerá 100% do algoritmo e da curadoria da Temu.

Algumas fontes já estão divulgando que a Temu promete começar a operação com vendedores locais integrando com sistemas já populares no Brasil, como Bling e Tiny, e posteriormente com UpSeller e Magis5. Isso pode facilitar a entrada de quem já tem um e-commerce rodando. Mas, no fim, o alerta é claro: a isca é boa, mas quem quiser aproveitar precisa calcular bem as margens e entender que a prioridade da plataforma é o preço baixo para o consumidor e não necessariamente a saúde financeira do vendedor.

Para profissionais do e-commerce, assim como eu, esse momento é um alerta. A Temu mostra que é possível gerar engajamento massivo com preço, diversão e muito investimento em mídia. Mas competir de igual para igual com os grandes (Mercado Livre, Shopee, Magalu) exige mais: logística, conversão, fidelização, estrutura financeira.

Resumindo: a Temu chegou no Brasil causando espanto e inundando nossos dispositivos com acessos, mas no fim das contas, virou um espaço de descoberta, não necessariamente de compra. E enquanto não houver números sólidos de vendas, e que se torne público e comparável, consideremos como o corredor apelidado de “Coelho” nas maratonas, que dispara na frente, mas seu resultado ainda é muito incerto.

Leia também